Mariana Becker, uma surfista na Fórmula 1

 In Diversos

A jornalista Mariana Becker trabalha há 24 anos na rede Globo. Mas, poucos sabem que bem antes de conquistar as pistas de todo o mundo com sua simpatia e carisma, ela escreveu para uma revista de surf.

Foi uma agradável surpresa conhecê-la na redação da revista de surf Hardcore, anos 90, levada pelo meu colega Felipe Fernandes. Ele conheceu a gaúcha nas praias do Sul durante uma trip. A partir daí, ela escreveu alguns artigos para a revista, reportagens de campeonatos, mas nunca mais a vi até dar de cara com ela na TV Globo, cobertura do circuito mundial de Fórmula 1!

Repórter que tira de letra do Globo Esporte ao Jornal Nacional, há dez anos é companheira de grandes jornalistas de todas as áreas. Mas o reconhecimento veio pelo trabalho na equipe dos caras de maior quilometragem na cobertura da Fórmula 1, Galvão Bueno e Reginaldo Leme.

Ela combina muito bem com os cenários da F1, e decifra com facilidade aquele papo complicado de mecânico, sempre muito bem inteirada com a engenharia dos amortecedores, freios, pneus e toda a tecnologia envolvida.

Conversei com ela durante uma etapa do circuito mundial de surf em Floripa, há uns 15 anos, sei lá. E ela estava bem animada para dar as novas no ambiente quase familiar da galera das ondas, um espaço de onde partiu para uma remada profissional de muita projeção, o que foi natural pelo seu talento.

Ainda naquela época, lembro de um Globo Esporte marcante, 18/12/02, quando apresentou o título brasileiro do Santos Futebol Clube, depois de 18 anos sem conquistas. Fiquei admirado por ver a cobertura de um título inesquecível do meu Santos sendo justamente apresentado por uma menina que eu tinha conhecido nas praias.

Sempre tive vontade de entrevistá-la para saber os detalhes do trabalho na elite do automobilismo mundial, onde ela pilota sua carreira de forma discreta e charmosa, com alegria e profissionalismo, tirando os segredos dos pilotos em meio a tensão das disputas, mas totalmente à vontade num ambiente onde não há muitas mulheres com intimidade para falar de peças, motores e dispositivos eletrônicos inovadores.

Mariana mora em Mônaco, mas Porto Alegre é o “amor”, diz de onde cresceu.

Fiz uma pergunta nada a ver e ela respondeu bem humorada. Não, apesar do sobrenome ela não é parente da atriz Cacilda Becker, “nem do tenista Boris Becker”, brinca, “e nem do goleiro da seleção”, garante.

Ela é simplesmente a Mariana Becker das praias, surfista e bodyboarder que era mais vista no Silveira, tradicional point break de Garopaba (SC).

A Globo tem um olhar especial para levar à redação mulheres que vivem a história de surfer girl. Além de Mariana, Glenda Koslowicz também saiu da cena bodyboard, onde foi campeã mundial, para conquistar uma bela carreira na área de esportes da emissora carioca.

Apaixonada por cães, gatos e cavalos, Mariana tem muito carinho pelos companheiros amados.  Como boa gaúcha, não dispensa um bom churrasco. Mas no dia a dia leva uma alimentação saudável. Na correria do circuito mundial de Fórmula 1, diz que não come muito porque fica “lenta”, afinal, trabalha justamente no campeonato de velocidade.

Nesta entrevista exclusiva, concedida por email, Mariana conta como saiu das praias para as pistas, e explica também alguns detalhes do trabalho a mil por hora na cobertura da Fórmula 1.

Como foi a travessia de repórter do surf para repórter de Fórmula 1?

Por mais diferente que possa ser, de certa forma, passa pelo percurso de um certo pioneirismo. Caminhos que eu não via ter sido transitado por quase nenhuma mulher. O outro lado era o da experiência própria. Eu surfava e amava. Portanto, achava que poderia cobrar mais sobre o assunto. Quando eu corri os três rally dos Sertões, também estava apaixonada e também achava que poderia falar mais sobre isso.

Há quanto tempo você está na Rede Globo? Tem ideia de quantos GPs já cobriu?

Menor ideia. Já estou na TV há 24 anos.

De todas as corridas que já cobriu, qual a mais sensacional de todas?

Difícil, muito difícil dizer. Mas acho que na Hungria, quando Rubinho deu um troco de anos de mágoas brasileiras no Schumacher. Foi particularmente especial, assim como a despedida do Felipe Massa da F1, quando mecânicos de todas as equipes se perfilaram diante de suas garagens para aplaudi-lo. Foi muito, muito emocionante.

Você sempre parece muito à vontade no ambiente predominantemente masculino da F1. Qual o segredo para não derrapar?

É entender que a gente derrapa e não tem jeito. Todo mundo derrapa e eu não sou diferente. Quanto aos homens, sempre me senti à vontade entre eles. Tenho amigos irmãos de vida inteira. Meu pai sempre foi meu melhor amigo, meu irmão também . É uma “raça” que me fascina, quando conseguimos falar a mesma língua .

Entre tantos pilotos, mecânicos e chefões de equipe, com quem se sente mais à vontade fora das pistas?

Com os caras que te encaram como uma amiga. Com os caras que dividem a piada comigo. Desde Nikki Lauda até o cozinheiro da Ferrari. Tem os caras que são parceiros. Vêem em você algo que eles gostam, assim como você vê neles. Este é um meio onde o dinheiro e a beleza, muitas vezes, são moedas de troca e quando você cruza criaturas que já viram tudo isso, e acham que a graça está em algo mais, a gente acaba se reconhecendo. Um cafezinho com essas pessoas rende grandes conversas e eternas amizades.

De todos os países que visita anualmente, qual é o teu preferido?

Tenho uma paixão profunda pelo Japão. Leio sobre, estudo, exploro. Toda a vez em que vou, fico mais tempo e faço caminhadas. Peregrinações por vilarejos e templos, me hospedando com monges ou gente local. Quero aprender sobre o Japão antigo, sobre os hábitos desta gente tão diferente de mim.

E onde é mais difícil trabalhar?

É difícil de trabalhar em lugares em que o fuso horário não te favorece ou onde a internet é ruim.

Além de você, tem mulheres de outros países cobrindo a F1?

Tem sim. Agora tem bastante. Quando eu comecei acho que só tinha umas três.

De que maneira a experiência de trabalhar com surf foi válida em sua carreira?

Nossa, muito! Primeiro porque tive que entender a diferença entre ser profissional e ser apaixonada pelo esporte. Muito importante separar. E depois aprender o quanto o amor pelo esporte pode melhorar as suas reportagens. O surf trazia a poesia, a aventura, a beleza, mas ao mesmo tempo, era trabalho, horário de entrega, pauta elaborada. Foi uma época maravilhosa com Kelly Slater, Joel Parkinson, Andy Irons, Sunny Garcia…

Tem saudades dos tempos do surf?

Total! Mas acho que já passou. Naquela época, tínhamos todos a mesma idade e a mesma expectativa em relação ao esporte. Hoje é tudo diferente. Bem mais profissional… outra fase. Na real, tenho saudades do tempo em que eu viajava só acompanhada do meu cachorro pastor alemão pra surfar por aí e sonhar com os anos 70, em que eu imaginava que morava o real soul do surf. Algo meio poético, meio à parte da sociedade, uma fase em que o surfe, a música e a literatura beatnick entraram na minha cabeça adolescente de um jeito romântico e bacana.

Você ainda pega onda?

Cara, o surfe vai ser pra sempre o meu esporte, mas infelizmente tenho duas hérnias de disco que me cobram um preço caro por cada onda. Há dois anos, sofri um acidente surfando em Balangan, Bali, e fiquei à beira da tetraplegia. Saí do mar sem controlar as pernas. Tive que botar um disco de carbono no pescoço. Então, o surf ficou limitado. Mas, por incrível que pareça, andar a cavalo não, minha segunda paixão. Sigo cavalgando por aí.

Consegue acompanhar o circuito mundial de surf?

Vejo as fases principais e fico tão orgulhosa destes guris! Felipe, Gabriel, Mineirinho, o filho do Pupo… agora são os filhos … ainda tem a Maya, que é particularmente um xodó meu por eu conhecê-la desde pirralha. Adoro.

E o tour feminino? Quais surfistas você aprecia?

Acho que tanto o surf quanto o futebol femininos evoluíram a passos largos. É muito bom hoje ver uma bateria ou uma partida. Mas posso te dizer que de uma maneira geral, Stephanie Gilmore, Silvana Lima, Bethany Hamilton e Maya Gabeira são mulheres admiráveis.

Como analisa o atual momento do surf feminino no Brasil, com a ex-competidora Brigitte Mayer sendo eleita presidente da Associação Brasileira de Surf?

Eu só espero que ela consiga fazer algo pelo esporte feminino, pela primeira vez vejo uma chance real de monetizar e comercializar a formação e campeonatos femininos. Muito difícil, mas infinitamente melhor do que antes.

Voltando ao seu trabalho na F 1, como é trabalhar com Galvão Bueno e Reginaldo Leme, dois ícones da TV Globo?

É ótimo. São duas personas com características opostas e eu sou a guria ali no meio . Rolou muita ralação até conseguir fazer parte do time, até que eu pudesse jogar ali no meio de campo.

O que diria para outras meninas que tem interesse em trabalhar neste segmento?

Manda ver! Dropa! Se eu tiver por ali, dou um help pra escolher as boas da série.

Existe machismo na F1?

Ué , claro! “Mulher jamais poderá pilotar um F1”,  “cadê as grid girls?”, “fulana não sabe o que está fazendo” , “fulana é feia” . Você já viu algum homem comentar sobre algum chefe ou destaque de empresa em relação à aparência?

Entre tantas entrevistas, qual a mais marcante?

Resposta impossível. Chorei ouvindo a aflição que Neco Padaratz tinha até de tomar banho depois de quase ter morrido afogado no Tahiti. Marcou-me profundamente quando uma menina de 15 anos evitou o linchamento moral de um muçulmano no dia seguinte ao ataque terrorista em Nice. Ela pregava o entendimento e, ao fim, me revelou: minha mãe morreu aqui, ontem. Também me encantou conhecer Expedita , a filha única de Lampião e Maria Bonita… Não há uma conversa mais importante que a outra, assim como não há irmãos melhores que outros. Eles são apenas diferentes.

Qual notícia gostaria de dar?

Notícia boa, sempre. Chance democrática de todos poderem praticar um esporte e ter prazer com isso. O sol nasceu pra todos.

Qual o tamanho da falta que o Ayrton Senna faz?

Giga. Há uma eterna esperança de que surja outro e obviamente as atenções estão sempre voltadas para o ninho de onde ele saiu. Só que infelizmente, o Brasil vai continuar esperando uma exceção que caia do céu, em vez de formar gerações.

O que falta para o Brasil voltar a ter protagonismo na modalidade?

Nesta e em tantas outras. Organização na formação de atletas em massa.

Biquíni, maiô ou shortinho?

Maiô

Grêmio ou Inter?

Não revelo meu time!

Pra finalizar, como é o dia a dia de uma surfer girl entre velozes e furiosos nas pistas pelo mundo?

Acordo cedo, tomo café e vou para o autódromo. Lá, eu instalo meus equipamentos e revejo a lista de reportagens que tenho que fazer, entradas ao vivo e faço uma lista de prováveis horários para fazer estas coisas. Depois, vou conversar com as pessoas pra descobrir o que preciso e ver se tem algo rolando que eu não sei.

Claro, sempre vou dar um beijo nos amigos mais queridos.

Sempre sento com os mesmos caras na sala de imprensa. Tipo coleguinhas de aula. São dois ingleses e um americano. Quem chega primeiro, guarda lugar para os outros três. Almoço em alguma equipe, ou alguém traz um rango de fora, ou como um sanduba.

Não como muito porque se não, fico lenta.

Saio do autódromo mais ou menos 8 da noite. E, em casa, que é como eu chamo o hotel, continuo a enviar o material e conversar com os editores do Brasil que estão cinco horas atrás, ou quatro, durante o horário de verão.

Muitas vezes termino pela meia-noite. Mas sempre tento terminar antes porque eu preciso comer direito e dar um tempo para o cérebro descansar, porque o dia seguinte será mais punk e o outro mais ainda, gradativamente até chegar o dia da corrida. Se não dormir e jantar direito, eu começo a falhar.
Nanar e papar, essencial desde que nos entendemos por gente! (Por Alceu Toledo Junior)

Instagram Mariana Becker

 

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